sábado, 13 de abril de 2013

Na Terceira inventou-se uma raça?


Na ilha Terceira a indústria tauromáquica e todos os seus amigos em vários departamentos governamentais andam a falar numa raça de gado bravo existente apenas naquela ilha.

Vários especialistas consideram que não se pode falar em raças de gado bravo e o blogue “Pelos Touros Vivos”, reafirma que “A raça dita de "lide" não existe, é um embuste da indústria tauromáquica”, explicando o facto do seguinte modo:

“Normalmente, as raças bovinas são caracterizadas por três parâmetros: o peso, o perfil cefálico e as proporções corporais. Na suposta “raça brava” não é possível fixar parâmetros devido à grande variabilidade genética e diversidade de caracteres dos touros usados nos espectáculos tauromáquicos. Com efeito, entre os bovinos ditos de “lide” podem-se encontrar animais com morfologias, pelagem, cornaduras, perfil cefálico, tamanho e peso muito variados, pelo que não é possível distingui-los com clareza dos touros comuns (Bos Tauros). Não é de admirar, pois todos os bovinos existentes na actualidade, mansos e não mansos, descendem do mesmo antepassado comum – o Uro ou Auroch.

Os touros ditos de “lide” que existem na actualidade, para além de não constituírem uma espécie, não são uma verdadeira raça, mas sim um tipo de touros muito diversos entre si, que não pertencem a nenhuma raça bovina determinada.

Estudos apontam para cerca de 31 grupos genéticos distintos e para níveis elevados de diferenciação genética dos vários sub-grupos de touros de tipo “bravo” designados por “encastes”: Estes níveis de diferenciação são superiores aos que separam as raças de bovinos comummente aceites como tais. São pois animais mestiços, estando longe de estar provado com critérios científicos válidos que os touros que usam nas touradas são uma raça de bovinos distinta das demais. Para estarmos diante de uma raça propriamente dita tem de existir uma unidade de constituição hereditária, algo que não existe no caso dos bovinos de tipo “bravo”.”

Vejamos o que escreveu Pedro de Merelim, no seu livro Tauromaquia Terceirense:

Até porque o eminente professor Paulo Nogueira, no seu livro sobre as ilhas de S. Miguel e Terceira, escreve: “Os bois bravos da Terceira, embora se prestem perfeitamente ao toureio, não formam contudo uma raça ou variedade, no sentido a que estas palavras se dá na zootecnia. Os caracteres do gado bravo terceirense são diversos dos que distinguem a raça brava ribatejana; por outro lado também não diferem dos caracteres dos bois mansos da ilha; o que nos leva a crer que a bravura dos primeiros deriva apenas do regímen de liberdade e natural abandono em que vivem no interior dos matos ou criações”.

Ainda o já citado Jácome de Bruges, vai para quatro decénios, em periódico local, assevera:
“ É certo pois que o primeiro toiro bravo importado para reprodutor só veio para a Terceira haverá cerca de vinte anos. Foi seu dono o importante e progressivo lavrador João Coelho de Sousa Pacheco.

A este seguiram-se mais três touros bravos reprodutores, importados dois pelo sr. D. José Sieuve de Meneses e um pelo sr. António da Rocha Lourenço.

No corrente ano foi adquirido pelo nosso maior criador, sr. Manuel Corvelo Cardoso, um magnífico toiro da acreditada ganaderia de Emílio Infante.

“Foi apenas a seleção e a forma especial por que esse gado tem sido criado que deu os toiros de lide.

A avolumar o facto de não termos uma raça brava definida, alguns anos houve e bastante próximo, em que raro era o criador, dono de uma dúzia de vacas mansas ou pouco mais que não procurasse para reproduzir um boi bravo, sem inquirir se esse animal, sem nada melhorar, iria estragar alguma coisa boa que possuísse.

Sucedeu ficarem com gado nem bravo nem manso, espantadiço, e com muito menor aptidão lactígena.

Resta ainda anotar que não falta quem admita ter vindo gado bravo de Espanha, depois da chegada dos Castelhanos. Outra hipótese aceitável, embora Jácome de Bruges seja perentório na sua afirmativa de só há sessenta anos se haver importado o primeiro toiro bravo de estirpe.”

Mas como se sabe que não existe, então as entidades oficiais decidiram criar uma raça brava dos Açores, a única que tem poderes sobrenaturais capaz de ocupar um ecossistema sensível de modo que “outros bovinos não o conseguem valorizar”. Para tal foi aprovada a Portaria nº 45/2010, de 6 de Maio, que aprova o Regulamento do Registo Zootécnico da População Bovina Brava dos Açores, com o objetivo de se “encaminhar futuramente para a formação de uma raça Brava dos Açores como variante da raça bovina Brava”, cuja existência é mais do que duvidosa.

José Ormonde

segunda-feira, 1 de abril de 2013

O lilás da ilha Terceira



Quando me desafiaram a escrever para esta página, enquanto Açoriana e Terceirense, não sabia bem o que podia dizer que já não tivesse sido dito nos últimos 100 anos, acerca de tradições bárbaras que teimam, à custa de poucos, em persistir.

Aproveitei, então, a oportunidade para juntar um outro assunto não menos incómodo: a base das Lajes, que a juntar-se às tauromaquia fazem da ilha um ponto de repúdio por parte de todas as pessoas que desenvolveram sentimentos anti-militaristas e têm o mínimo de sensibilidade perante questões de direitos humanos e ambientais.

Não nos falta nada, criamos animais para nos divertirmos a humilha-los e ganhamos uns trocos à custa de guerras mais ou menos explicitas. Estamos manchados de sangue e sofrimento, e essa mancha cobre o nosso povo de vergonha.

Falharam redondamente ao atribuírem uma cor à Terceira. Lilás? Como pode ser lilás? Lilás é cor das lutas pelos direitos humanos, pela igualdade de género, pela liberdade e igualdade sexual. Lilás é o que dá cor às lutas sociais por um mundo mais justo e digno.

O lilás dissolve-se quando falamos da Terceira. Dissolve-se em cores tristes, humilhantes e desonestas, quando desta ilha só conhecem uma base militar, que nos coloca nos itinerários de guerras que não nos pertencem, e a tauromaquia que, inacreditavelmente, merece mais atenção e “cuidados” - pois sabemos que à custa dela poucos ganham muito – do que o estado da educação ou políticas de ação social de combate à fome na infância, por parte de autarcas e deputados regionais.

Lilás, dizem eles.

Querem que tenhamos orgulho. Do quê? De sermos incapazes de aplicar as tradições ao conhecimento que a humanidade tem hoje? De sermos representados no Parlamento Regional por portadores de pensamentos e discursos saídos dos anos 50? Orgulho em termos ficado conhecidos por termos recebido Blair, Bush, Durão e Aznar quando decidiram matar milhões, durante a Cimeira das Lajes/ Cimeira da Guerra?

Ilha lilás, querem que acreditemos.

Orgulho teremos quando já não tivermos vergonha. Orgulho teremos quando tivermos a coragem de romper com o passado que nos incomoda. Orgulho teremos quando não nos pertencer o auge do conservadorismo e moralismo. Orgulho teremos quando não estivermos na lista de sítios a boicotar por humanistas e ecologistas. Orgulho teremos quando deixarmos de financiar a barbárie e mais ninguém viver à custa da violência.

Talvez esteja na hora de fazermos juz à cor que nos deram, meu povo!
Vivemos tempos de mudança, em que os ataques e roubos que fizeram às bases sociais ficaram a olho nu. A educação, a ação social, a saúde, a cultura que desenvolve o espírito e pensamento critico, não podem continuar a ser o parente pobre, o filho bastardo, os restos do prato das políticas dos governantes e representantes da ilha.
Talvez esteja na hora de dizer basta e exigir um presente e futuro dignos, que não nos envergonhem mais.

Está na hora de ser lilás!

Francisca M. Ávila
Santiago do Chile