quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Comunicado MCATA: As touradas contra o turismo nos Açores



As touradas contra o turismo nos Açores

O Movimento Cívico Abolicionista da Tauromaquia nos Açores (MCATA), num momento como o actual de grande desenvolvimento do turismo nas nossas ilhas, regista, com muita preocupação, alguns relatos de turistas que são intimidados pela presença de touros soltos quando percorrem alguns dos trilhos pedestres da ilha Terceira. Tal facto cria um clima de insegurança que é exactamente contrário à tranquilidade necessária e desejável para quem se desloca para contemplar as belezas naturais da ilha. Já houve mesmo relato de feridos entre os turistas.

Sendo os trilhos pedestres um dos principais pólos de atracção turística da região e dos mais procurados por quem nos visita, não se percebe alguma apatia existente na ilha Terceira que se traduz na falta de criação das devidas condições para a sua utilização.

Ao exposto, temos de acrescentar a realização na referida ilha de mais de uma tourada à corda por dia, por vezes cortando o trânsito, paralisando a economia e criando novas e absurdas situações de perigo para os turistas. Segundo notícias divulgadas na comunicação social nos últimos anos, são já vários os turistas que receberam ferimentos graves no decorrer duma tourada à corda, ou simplesmente por se encontrarem nas proximidades no momento da fuga do touro. Este ano foi ainda mais grave, tendo uma turista sido morta.

É este o cartaz turístico que os Açores pretendem oferecer a quem nos visita?

O MCATA considera delirantes as recorrentes declarações da indústria tauromáquica no sentido de afirmar que as touradas servem para atrair o turismo quando as mesmas são cada vez mais repudiadas a nível internacional. Ainda recentemente um operador turístico da ilha Terceira afirmou que os trunfos para atrair o turismo eram “os toiros, a natureza e a gastronomia”, convidando uma série de agentes de viagens espanhóis para conhecer estas realidades da ilha. O resultado foi o que se esperava: os próprios convidados foram peremptórios em desmentir as palavras do seu anfitrião, afirmando que “o principal trunfo da Terceira no campo turístico reside na natureza”.

O negócio das touradas parece ser claramente um entrave para o desenvolvimento do turismo, tanto na ilha Terceira como nos Açores, pois os aspectos negativos de qualquer uma das ilhas ficam, para o turista, associados ao conjunto do arquipélago. A irresponsabilidade e a falta de cuidado no desenvolvimento do turismo de natureza na Terceira, ou em qualquer outra ilha, pode dissuadir novos turistas de visitar os Açores.

O MCATA repudia todos os apoios declarados ou encobertos à tauromaquia e considera que devem ser criadas todas as condições para que os turistas se sintam em segurança na ilha Terceira bem como nas restantes ilhas.


Comunicado do
Movimento Cívico Abolicionista da Tauromaquia nos Açores (MCATA)
http://iniciativa-de-cidadaos.blogspot.pt/
27/10/2016




Imagem: Diário Insular, 14 de setembro

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A insipidez das touradas à corda


Ferro Alves queria que os touros marrassem mais

O jornalista e advogado Ferro Alves que esteve nos Açores como deportado, onde participou na Revolta dos Açores e da Madeira, em 1931, antes de aderir ao salazarismo, esteve na ilha Terceira durante quinze dias, tendo assistido a uma tourada que descreveu no seu livro “A Mornaça”, publicado em Lisboa em 1935.

Aqui vai um relato do que viu:

“Na praça da terra reúnem-se todos os habitantes no meio de uma chinfrineira aguda empunhando cacetes e com mais abundância guarda-chuvas, Esse instrumento antipático e avelhado disfruta aqui de irresistíveis simpatias. Nas janelas apinham-se cachos humanos chilreantes.

O cacique local com aspecto importante – as ilhas estão pejadas de odiosos caciques – dirige a função. Munido de uma corneta, ou búzio, o soba do povoado dá o sinal para começar a festa. As mulheres, que no mais recôndito das suas almas escondem a sua adoração pela tragédia, cerram os olhos, soltando uns ais terroríficos de parturientes. Os homens atacados dum pânico súbito fogem em todas as direcções. Alguns, com pronunciadas atitudes simiescas, trepam às árvores, encarrapitando-se nos últimos ramos, como se o toiro fosse um animal trepador. A praça fica deserta e respira-se um ar pressago de dramatismo. Contraídos e anelantes, como nas tardes famosas de Madrid, em que Belmonte alterna com Cagancho, aguardamos a aparição do toiro, fumegando cólera e bramindo vingança.

Afinal surge o cornúpeto, que não é toiro, mas simplesmente um novilho, e bastas vezes, uma raquítica vaca, muito enfastiada por ver-se metida em zaragatas. Pois, senhores, e aqui reside o ineditismo do espetáculo, o tal novilho de poucas carnes e de insubsistente acometividade, vem amarrado por uma longa corda de quinze ou vinte metros. O pobre bicho de olhos chorosos, autenticamente bovinos, acossado pelo gritério, dá uma corridita até ao meio da praça, estaca de repente assustado soltando uns mugidos lancinantes, em que bramam desejos insatisfeitos duma boa ração de favas.

Aproveitando a indecisão do animalzito nostálgico duma verde campina, onde possa saciar a sua fome, os populares mais atrevidos lançam-se à praça com a chaqueta numa mão e o obcecante guarda-chuva na outra. Com estes singulares atavios, que substituem a muleta e as bandarilhas citam o pachorrento animal, que exala uns quantos gemidos a ver se não o metem em sarilhos.

Animados pela mansidão do cornúpeto, los diestros, puxam-lhes o rabo, espicaçam-no com a ponta das malditas sombrinhas, provocam-no com lenços escarlates.

O animal resolve-se finalmente a investir depois de laboriosa deliberação. Os artistas abandonam a presa e os instrumentos de combate. Se porventura o triste novilho consegue alcançar algum dos seus algozes, rasgando-lhe com uma cornada o fundilho das calças, o gentio delira. Há palmas e vivas, desmaios e chiliques. Os marmanjões que sustentam a corda que prende o bicho puxam dela desesperadamente até que imobilizam completamente o bicharoco. Se este num movimento ocasional se volta, enfrentando-se com os moços de corda, então o pânico é indescritível.

Um autêntico salve-se quem puder. Os muros e as árvores são impotentes para conter a correria vertiginosa, alucinada, dos pretensos campinos. Chiam como ratazanas aprisionadas na ratoeira.

Felizmente a mornaça contamina não só os homens como os animais. O novilho a breve trecho se fatiga, para tristonho e rendido entregando-se sem combate à fúria vencedora dos seus inimigos. Docilmente deixa-se conduzir ao curral, com um olhar resignado, de quem pede perdão por ter magoado o traseiro de algum diestro menos veloz. Creio que nestas touradas, apesar de frequentes, nunca houve colhidas que demandassem mais do que um pouco de álcool para friccionar as nádegas dos campónios.

Nestas touradas somente tomam parte como aficionados elementos populares. Os filhos dos sobas e régulos, classifico assim os personagens locais, abstêm-se de participar nestes folguedos. A sua seriedade de jarrões impede-os de se misturarem a tudo o que seja dinamismo.

O espetáculo termina com a lide de alguma vaca, mãe respeitada de numerosa prole. Insensível aos guarda-chuvas e às chaquetas permanece estática no meio da praça entre as chufas da multidão. Para arrancá-la à sua passividade chegam a picá-la com sovelas. Eu vi uma tão pachorrenta, que um indígena no meio do entusiasmo da assistência, puxava-lhe cinicamente as orelhas. Com a descrição das célebres touradas à corda, cremos dar uma ideia nítida da maneira como a mornaça transforma em insipidez, os mais emocionantes espetáculos."


José Ormonde
Açores, 12 de setembro de 2016